Na rua está um frio de Janeiro, daqueles que apertam como um abraço que parece querer alcançar cada recanto, cada banco do jardim, cada fenda, rua apertada e refúgio da cidade. O "Mutante" não deve comer há mais de um dia, mas caminha rapidamente para se manter quente, tão rápido quanto o seu estado lhe permite. Vejo-o do outro lado da rua: é tão magro e pálido que parece uma aparição. Alto e desengonçado, com as calças rotas, o cabelo desgrenhado e um aspecto feroz. Aqui na zona fogem dele, tem olhar bravio e o ar de quem perdeu a esperança há muito. Receiam-no, e como tal afastam-se dele e do seu cão, ou então afastam-nos. Nunca vi o mutante, é importante que se diga, a fazer mal de qualquer espécie. O cão dá saltos quando o mutante pede, e está tão magro quanto o dono. Conto-lhe as ossadas no lombo.
O dia do mutante é sempre igual, e Lisboa está cheia de mutantes. Isso seria bom se fosse algo especial, mas não é. O mutante come restos. No café pede um pão com queijo e um café: estes são os luxos do mutante, quando por obra do acaso consegue algumas esmolas. O mutante fala sozinho enquanto caminha. Quando finalmente chega à sua "terra do népia" a ideia de diversão passa a ser arrancar o estuque do prédio com os dedos. No entanto o mutante sorri para o nada. Que faz com que ria? Que memórias terá agora? Olhem bem para o mutante, para lá das rugas que tem quando enche a cara com um sorriso. O mutante é diferente, mas o mutante é igual. O mutante lutou, e sofreu. O mutante tentou mas perdeu. Não o conheço, isto é tudo o que sei do mutante.
Vi o mutante hoje, depois de me levantar. Ontem à noite tinha lido o "Papalagui" de uma assentada, e acabei a pensar nas palavras de Tuiavii de Tiavéa. Julgo que se o mutante tivesse nascido na Samoa de então se teria tornado uma pessoa muito mais feliz.
Pergunto-me até se não seremos todos um pouco como ele escondendo a todo o custo, no entanto, as nossas diferenças, os momentos em que sorrimos para o nada ou em que falamos sozinhos, em que deixamos de ser papalagui e nos tornamos tiavea por instantes, em que largamos, enfim, a máscara de que fala o nosso "Personne". Aos olhos do mundo o mutante não é ninguém, mas aos meus não deixa de ser cada um de nós. O mutante sorri porque já sabe quem é e não quem deveria ser... invejo-lhe esse sorriso.
Homem da Faina out
domingo, janeiro 07, 2007
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3 comentários:
bonito texto! sim senhor!
obrigado anusca. ;)
n invejes o mutante, nem mesmo no ponto que referes porque, embora ele ja saiba kem é, sabe também que n leva a vida q sonhou levar kuando era mais jovem, e q falhou, seja por culpa dele ou por culpa do destino. é essencial aprender com a vida, seja com a nossa seja com a dos outros, seja com os maus ou com os bons exemplos.
n tou a dizer q é isto q faço sempre... mas tento. já n é mau.
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